Primeiramente, gostaria de falar um pouco sobre Muay Thai. É uma arte marcial que, como o próprio nome indica, nasceu na Thailândia (em Tailandês: Muay - Boxe e Thai - Thailândia), com o objetivo de preparar o exército do país a lutar desarmado, visto que o estilo de luta do exército, o Krabi Krabong, necessitava de duas espadas, e não possuía técnicas desarmadas. Por essa natureza, o Muay Thai visava acabar logo com o oponente, para partir para o próximo (afinal, assim é a guerra); ficou conhecido como "A Arte das Oito Armas" (Mãos, Cotovelos, Joelhos e Canelas), além de possuir torções e quebramentos. Em dias mais modernos, o Muay Thai se profissionalizou, devido à sua popularidade no país (assim como é no Brasil com o futebol); para tal, perdeu as torções e quebramentos (ninguém queria sair de um campeonato com um membro quebrado, quiçá ter o pescoço deslocado) e ganhou algumas regras, e hoje é, sem dúvidas, o principal esporte da Tailândia. Por sua agressividade, o Muay Thai difundiu-se pelo globo, e está "na moda" aqui no Brasil: na Zona Sul existem várias academias ensinando a arte, a preços muito elevados (em média 90 reais). O resultado é que os "jujiteiros" estão perdendo o posto para os "Muaythaizeiros". Um conceito importante no Muay Thai é o calejamento; como é a única arte marcial que chuta com a canela e não com o pé, as técnicas de low kick (chute baixo) do Muay Thai causam bastante dano à coxa do adversário, por isso, a defesa para uma canela na coxa é colocar a sua própria canela no caminho do golpe. É dolorido, mas dói menos do que receber o golpe na coxa, causa dano também ao atacante e, mais importante, como a Tíbia (um dos ossos da canela) tem um capa de gordura recobrindo-a, é possível, com treinamento adequado, calejar a canela, deixando-a mais resistente a danos. Calejamento é a palavra-chave.
Os jovens da classe média alta agrediram a empregada doméstica; isso, sem dúvida, foi uma violência gravíssima. Causou alarde no país todo, principalmente aqui no Rio, onde isso é assunto até hoje, e certamente não era pra menos. Afinal, violentaram uma empregada doméstica ou, antes, uma pessoa.
Mas, pensando bem, essa não foi a primeira violência que acometeu a empregada. Só de ela estar trabalhando na Barra, Zona Oeste, e ter que sair àquela hora da casa onde trabalha para ir a um médico na Baixada, acredito, já aponta uma violência, tão grave quanto. Se ela tinha que ir para a Baixada, certamente é porque não tinha dinheiro para pagar um médico mais perto do local onde trabalha; e se marcou na Baixada, certamente mora lá (e mora, aqui mesmo em Caxias, dá pra ir daqui pra lá de bicicleta). Aí vejo outra violência: uma pessoa ter que sair da Baixada para trabalhar na Barra (pagando, para ir até a Central, uma das passagens mais caras do Rio de Janeiro: 4,20). Aí, também, outra violência: se mora na Baixada, certamente não tem condições financeiras privilegiadas como a dos proprietários do imóvel onde trabalha. Aí, vejam só, outra violência: como Marx me mostrou muito bem, ela é alienada, pois a casa que arruma não lhe pertence, ou seja, o fruto de seu trabalho não é seu, é do patrão.
Ou seja, ela foi amplamente violentada. Mas, que irônico, as pessoas só se revoltaram contra uma violência sofrida por ela; porque será? Aqui entra a palavra-chave: calejamento. Sim, pois todas aquelas violências de que falei acontecem todos os dias, com muitas outras pessoas. "As oportunidades são iguais", esse é o discurso que justifica a origem de todas as violências supra-citadas. Será? Se ela, a empregada, não tivesse que sair de madrugada, não teria apanhado. Se tivesse dinheiro para pagar um médico perto de seu trabalho, não teria apanhado. Se tivesse emprego perto de casa, não teria apanhado. Se tivesse mais capital, não teria apanhado.
Mas, mesmo assim, as pessoas dizem que as oportunidades são iguais; é só se esforçar que você consegue, com certeza, quem não consegue é porque não tenta. Perceberam uma infeliz ironia do acaso? Ela, a empregada, estava tentando ir ao médico, e acabou conseguindo. Ainda bem que é uma ironia, e infeliz. As oportunidades não me parecem iguais para todos, não mesmo; nunca pareceram.
E o que mais me assusta nessa história toda não são os "jovens de classe média alta", porque eu já sei colocar a minha canela na frente. O que me assusta de verdade é saber que existem professores de História, que foram meus colegas de graduação, que repetem o discurso "as oportunidades são iguais para todos". Gostaria de pedir, mais uma vez, que repensassem esse discurso; afinal, ele pode machucar empregadas domésticas...
segunda-feira, 16 de julho de 2007
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5 comentários:
"as oportunidades são iguais para todos... os iguais".
A classe média faz isso porque são eles que sustentam esse país "somos nós que pagamos os impostos e não podemos ficar a mêrce de bandidos"
Maldita classe média!
Gostaria de entender algumas colocações que eu, com todo respeito, achei um tanto infelizes de sua parte:
Você inicia seu texto falando sobre uma arte marcial, que como qualquer outra (querendo ou não) possui fundamentos ligados à violencia. Somente para justificar o objeto "calejamento". Em seguida parte para uma estória que infelizmente aconteceu e acontece todos os dias, Porém:
- Dá a entender que o Muay Thai em si foi o responsável pelos absurdos cometidos contra a domestica e não o pensamento "pobre e podre" daqueles que cometeram o crime.
- O índice de criminalidade é muito maior nas classes sociais menos favorecidas, que nas médias e altas (isto é estatisticamente comprovado);
- A igualdade não é a mesma para todos, haja visto que nem todos têm as mesmas oportunidades; segundo o pensamento filosófico grego, "Justiça é tratar com desigualdade os desiguais", este conceito foi absorvido pelo direito romano, linha que usamos até hoje;
- Foi colocado também, que o fruto do trabalho da empregada, não é dela e sim de seu patrão - com todo respeito, me desculpe a franquesa, respeito sua opinião, mas, isso é extremamente UTÓPICO, assim como todo pensamento Marxista, prova disso é que somente um país no mundo leva com rigor o Marxismo (Cuba) - e engraçado, seus cidadãos estão fugindo do país (Por que será?). Para o fruto do trabalho de qualquer pessoa pertencer à ela, somente se ela for empresária (dono do próprio negócio) e sempre o empresário terá empregados, quer você queira quer não; um dos tópicos da administração geral é: Uns nascem para liderar e outros para serem liderados;
- A violencia que a empregada sofreu, felizmente foi por membros da classe média, digo isso por que estes causam menos homicidios que os das classes baixas. Ela poderia ter sido morta, ou estuprada. E ao contrario "apenas" (dos males o menor) apanhou;
- Com uma coisa concordo com vc - as oportunidades não são iguais para todos.
- A maneira como foi colocado o texto parece que a culpa é da classe média, mas na verdade em todas as classes sociais existem "membros com defeito de fabricação", achar culpados não vai consertar o fator causal, temos sim é que encontrar os fatores causais para que possamos consertá-los.
Vou tentar responder, então, às suas questões; infelizmente, da minha maneira limitada.
Acredito ser um erro dizer que qualquer arte marcial possui fundamentos ligados à violência. Seria interessante definir violência, lógico, para que nosso diálogo fosse mais efetivo. Entre as várias definições possíveis, acredito que você empregou-a no sentido de "em que há emprego de força brutal". Se assim foi, sou obrigado, filosófica e semanticamente, a discordar. Os objetivos do surgimento do Muay-Thai foram explicitados, muito sucintamente, no meu texto, e isso descarta a "brutalidade" como origem, da mesma forma que a força muscular, que é sim empregada no Muay-Thai, não é usada de forma "bruta", mas sim através de técnicas que visam refiná-la e torná-la mais eficiente.
Eu não posso "dar a entender" nada; o entendimento é seu, pura e exclusivamente. E para fins de esclarecimento, eu, em momento nenhum, objetivei insinuar que o Muay-Thai, em sí, seria responsável por algo, até mesmo pela impossibilidade disto.
Novamente, preciso entender o que estamos chamando de "criminalidade". Por crime, podemos entender (assim me diz o dicionário) "delito, facto repreensível, infracção de um dever". Para mim, é fato repreensível que pessoas vivam em casas luxuosamente decoradas, enquanto pessoas morrem de fome. Mas, que isso seja só para ficar patente, pois não acredito que disponhamos de espaço aqui para tal discussão. O fato é, que estatísticas são... estatísticas. Pessoas, são pessoas - não são classes.
Você diz: "nem todos têm as mesmas oportunidades", e eu me sinto obrigado a concordar. Só que, aparentemente diferente de você, eu não acredito que deve ser assim. Você cita também que "Justiça é tratar com desigualdade os desiguais" e disso eu discordo absolutamente. Para mim, justiça é tratar com igualdade os diferentes. Perceba que existe MUITA diferença entre "tratar igual" e "tratar com igualdade", assim como entre "desiguais" e "diferentes".
Você me pede "me desculpe a franquesa". Eu não desculpo, pois não acredito que "franquesa" seja algo do qual se deve pedir desculpas, porém, se você acredita...
Você também diz "somente um país no mundo leva com rigor o Marxismo (Cuba)". Isso só mostra o seu desconhecimento sobre o que vem a ser o Marxismo (e digo mesmo o vulgar) e a sua adesão ao senso comum, coisa comprovada por outras de suas frases. Discordo também da frase "Para o fruto do trabalho de qualquer pessoa pertencer à ela, somente se ela for empresária". Para sermos donos do fruto de nosso trabalho, basta sermos livres.
A frase "Uns nascem para liderar e outros para serem liderados" é de um inatismo tão barato que, sinceramente, não merece maiores comentários.
"violencia que a empregada sofreu, felizmente foi por membros da classe média"(grifo meu). Se aquilo foi uma felicidade, aprendí de forma totalmente equivocada esse conceito. Mas você ainda consegue pioras as coisas: "digo isso por que estes causam menos homicidios que os das classes baixas. Ela poderia ter sido morta, ou estuprada". Você, conhecedor das estatísticas, já tentou uma análise mais apurada das mesmas? Acredito que não. A imensa maioria desses crimes que você cita ocorrerem nas "classes baixas" ocorrem exatamente por existirem essas diferenças sociais, pois muitos passam fome, e o crime é a única solução. Pois é, estatísticas também provam isso. Fora o fetichismo do consumo, estimulado pelas "classes altas", que gera suas conseqüências. Se fosse um pivete a cometer um crime com uma empregada doméstica em um ponto de ônibus na madrugada, certamente seria para lhe assaltar, fazer um ganho pra comprar drogas - ele não iria bater nela por "diversão", ou porque confundiu-a com uma prostituta. E com que conhecimento você fala em "estupro"? Se você usasse as tais "estatísticas" como argumentação e não como falácia, saberia que a maioria dos estupros (do Rio de Janeiro, onde tenho alguma propriedade para falar) acontece nas classes médias, prioritariamente em festas seguido por casos domésticos. Pense bem: se alguém está com fome, vai estuprar pra quê? O números de estupros "na rua" são muito menos do que os considerados "casos domésticos".
Com sua frase "em todas as classes sociais existem 'membros com defeito de fabricação'" você só mostra, mais uma vez, uma filiação com um inatismo e uma não-percepção do que é o social. Para mim, é extremamente complicado discutir nessas condições. Quando você desejar entender isto, verá os tais "fatores causais" de outro ângulo, que eu, particularmente, considero mais justo. Afinal, não foi atoa que Comte primeiramente chamou de "Física Social" o que, acertadamente (na minha opinião),chamaria depois de "Sociologia".
Espero ter exclarecido os pontos que você levantou. Qualquer coisa, continue o debate, que me esforçarei para responder o mais rápido possível.
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